Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

segunda-feira, maio 25, 2015

Desigualdade. A morte do futebol brasileiro em 5 passos


Muita gente defende um campeonato em pontos corridos alegando que este é o sistema mais justo de competição. Seria meritocrático. Mas como falar em Justiça e meritocracia no futebol brasileiro, se o que testemunhamos é a existência de um verdadeiro modelo que favorece sistematicamente sempre os mesmos clubes de futebol?

O leitor duvida? Então vamos aos fatos (e são muitos) que estão desequilibrando o futebol brasileiro, acabando com a nossa paixão e com o próprio negócio daqueles que deveriam preservá-lo (Globo, CBF, patrocinadores). A análise terá como guia de comparação o Palmeiras, clube com uma das cinco maiores torcidas do País.

1) O problema dos direitos de transmissão da TV aberta

O problema não é novo. Mas os beneficiados pelo modelo (veja a posição do presidente do Flamengo e ocomentário do Caldeirão Cruz-Maltino) e aqueles que têm a caneta na mão continuam fingindo que ele não existe.

Atualmente, Corinthians e Flamengo ganham R$ 110 milhões por ano contra R$ 80 milhões por ano do SPFC e R$ 70 milhões por ano de Vasco e Palmeiras. Entre 2012 e 2015, quando este acordo vigorou, Fla e SCCP somaram R$ 160 milhões a mais do que seus maiores rivais locais, Vasco e Palmeiras.

De 2016 em diante, a proposta é ainda mais ultrajante. R$ 170 milhões por ano para Flamengo e SCCP. R$ 110 milhões/ano para SPFC e R$ 100 milhões/ano para Vasco e Palmeiras. Em 04 anos, R$ 280 milhões de diferença entre Corinthians e Palmeiras. É para acabar com qualquer possibilidade competição.

A situação piora para clubes como Goiás, Sport, Atlético-PR, que a partir de 2016 receberão R$ 35 milhões. Salvo cataclisma, sempre entrarão como figurantes nas competições nacionais.

Divulgação/Premier League
Divulgação/Premier League
Na Premier League, a distribuição das cotas é diferente.

O leitor acha que tem que ser assim mesmo? Que é a audiência que deve reger os valores pagos? Não é bem assim. Basta olhar o modelo da Premier League, no Reino Unido (veja post do Sangue Azul ou esta elucidadora matéria sobre a distribuição de cotas no campeonato inglês). Segundo o Sangue Azul, "enquanto os dois times de maior torcida do Brasil recebem algo entre quatro e cinco vezes mais que do aqueles que recebem cotas menores, a proporção na Premier League é 1,5 para 1 entre a maior e a menor cota, e vem caindo sistematicamente ano após ano."

Para quem é torcedor, futebol é paixão. Mas quem gere o futebol brasileiro deveria cuidar para não matar o seu produto, que é uma competição, não um teatro em que alguns (cada vez mais) favorecidos vão esmagar ao final seus concorrentes. O Palmeiras está no pelotão dos favorecidos, mas mesmo assim é difícil concorrer com os que estão acima.


O cenário parece se desenhar claramente. Mantidas as atuais condições, o futebol brasileiro perderá a graça. Ou quem está no controle sofrerá uma rebelião de base e uma indesejada intervenção externa que minará consideravelmente seu poder.

Resultado: focando apenas este primeiro ponto, no ano de 2015 o Palmeiras saiu atrás em R$ 40 milhões em relação ao SCCP e Flamengo.

2) O problema da exposição na TV aberta 

Além do desequilíbrio financeiro direto, a emissora que deveria zelar pelo equilíbrio técnico do campeonato provoca um desequilíbrio financeiro indireto ao expor muito mais os jogos de certos clubes (adivinhem quem), sob o pretexto de que estes são os que dão mais audiência. Assim, mata o seu verdadeiro produto (o campeonato), na tola ilusão de que está fortalecendo dois bons produtos (Corinthians e Flamengo). E ainda ganha, de brinde, a antipatia da geral. Vejamos:

Flamengo – 7 partidas
SCCP e SPFC – 6
Atlético-MG e Cruzeiro – 5
Atlético-PR e Grêmio – 4
Flu, Inter e Vasco – 3
Avaí, Coxa, Goiás, Joinville, Santos e Sport – 2
Palmeiras e Chapecoense – 1
Figueirense e Ponte Preta – 0

O fato é que a superexposição de uns e a não exposição de outros impacta, por exemplo, a venda de patrocínios na camisa, uma importante fonte de receita no futebol. Indiretamente, os clubes com menos partidas transmitidas acabam prejudicados. Pior para o campeonato e para o torcedor. Pior também, para quem quer transformar o campeonato como um todo num produto interessante.

De qualquer forma, ao que tudo indica, o critério não parece ser audiência dos clubes. Vasco e Palmeiras figuram entre as maiores torcidas do País. Mas têm, respectivamente, apenas 3 e 1 partidas transmitidas na TV aberta.

Resultado pontos 1+2: o Palmeiras larga em 2015 com R$ 40 milhões de desvantagem + um prejuízo intangível para fins de patrocínio e para o próprio crescimento de longo prazo da sua torcida.

3) O problema dos valores referentes a transmissão na TV por Assinatura

Acompanhem o raciocínio. Clubes como Flamengo e SCCP têm grande exposição na TV aberta, ao contrário de clubes como o Palmeiras. Logo, é possível supor que os torcedores de Flamengo e SCCP devem ver muito menos benefícios na assinatura de um pacote do brasileirão do que torcedores de Palmeiras ou Vasco. É possível presumir, ainda, que a ausência de jogos na TV aberta acabe por forçar os torcedores desses clubes a procurar a TV por assinatura como única alternativa para seguir seu time. Excluídas as variáveis que estão presentes para todos os clubes (o sujeito que assiste no bar, no estádio, na casa da sogra), essa deveria ser a regra.

Seguindo essa lógica, clubes com torcidas numerosas e pouca exposição na TV aberta deveriam receber um valor substancial referente ao Pay-per-view. Provavelmente até maior que os clubes com torcidas mais numerosas mas que estão na TV aberta.

A detentora dos direitos tem todas as condições de medir isso no momento da contratação. Mas distribui os direitos de outra forma: realiza duas pesquisas (Datafolha e Ibope) entre os assinantes para saber para que time eles torcem. A metodologia não está clara. Ligam apenas nas capitais? Que tipo de pergunta é feita? Ligam só para quem tem o pacote do Brasileirão ou para quem comprou jogos individuais?

Em 2014, Flamengo e SCCP receberam quase um terço do total de receitas do Pay-per-view: Flamengo levou R$ 45 milhões e SCCP 38 milhões. São Paulo, Vasco levaram R$ 20 milhões cada. E o Palmeiras, R$ 17 milhões.

Resultado pontos 1+2+3: o Palmeiras larga em 2015 com um enorme prejuízo intangível pela não exibição de seus jogos na TV aberta e apenas no relacionamento com a Globo, R$ 61 milhões atrás do seu rival SCCP.

Mas você pensa que acaba aqui? Não acaba.

4) Patrocínios Públicos

Não são todos os clubes que tem a honra de contar com um patrocínio de uma empresa pública em sua camisa.

Hoje, a Caixa investe cerca de R$ 100 milhões em clubes de futebol. Será que o leitor advinha quem são os maiores beneficiados?

Segundo dados de 2014, o maior beneficiado é o Corinthians, com um patrocínio no valor de cerca de R$ 30 milhões. O segundo, é o Flamengo, com patrocínio no valor de R$ 25 milhões, renovando agora por 16 milhões somente para a frente da camisa.

Existe uma boa justificativa para isso. Estes clubes são os que obtêm maior exposição na TV aberta. Mas também existe uma boa discussão a ser feita: qual o papel das empresas públicas? O de fazer marketing como qualquer outra para vender seus produtos e serviços, reforçando o papel dominante dos clubes que patrocina? Ou a CAIXA teria condições (e obrigação, por ser uma empresa pública) de inverter essa lógica?

A CAIXA patrocina, sim, clubes com menor exposição: Atletico-GO (R$ 2,4 milhões) e ABC (R$ 2 milhões), estão na Série B. Figueirense e Chapecoense recebem cerca de R$ 4 milhões. Atlético-PR, Coxa e Vitória recebem R$ 6 milhões cada. Ou seja, com o valor destinado ao Corinthians, a caixa poderia patrocinar 15 clubes como o ABC.

E para concluir: Flamengo e SCCP não têm exposição suficiente para conseguir patrocínios no mercado privado? No ano de 2014, o Palmeiras não conseguiu obter patrocínios. Segundo Paulo Nobre, a Copa do Mundo drenou os investimentos no esporte. O Palmeiras chegou a negociar com a CAIXA. Algumas notícias dão conta que Nobre teria recusado um patrocínio de R$ 25 milhões da empresa. Outras, que a CAIXA recuou após ter acertado os valores com a estatal.

Com a CREFISA, o Palmeiras recebe R$ 23 milhões por temporada, ou seja, R$ 7 milhões a menos do que o SCCP recebe da CAIXA.

Resultado da soma dos pontos 1 a 4: o Palmeiras larga em 2015 com um enorme prejuízo intangível pela não exibição de seus jogos na TV aberta, R$ 61 milhões atrás do seu rival SCCP no relacionamento com a Globo e sem patrocínios de empresas públicas em sua camisa (diferença de R$ 7 milhões). A diferença financeira já chega a R$ R$ 68 milhões só em 2015. 

5) O juízo dos Tribunais

Não vou me alongar neste ponto, nem quero criar teorias da conspiração. Mas nossos tribunais são tão profissionais quanto nossos dirigentes.

Num exemplo recente, Vagner Love, então jogador do Palmeiras, foi a julgamento pela infração de um artigo qualquer. Um dos auditores, direcionou-se ao jogador e afirmou que preferia que as trancinhas de Love fossem rubro-negras ao invés de verdes. Belluzzo, a esta altura em conflito aberto com Simon e os tribunais, veio a público para questionar a postura do auditor. É difícil de crer? O video está disponívelaqui

Trata-se de um caso isolado? Difícil afirmar isso.

Na última semana os advogados do Palmeiras recorreram contra a punição de 180 dias aplicada a Dudu, jogador do Palmeiras que empurrou o árbitro no segundo jogo da final contra o Santos. Além de recorrer, o Palmeiras pediu o efeito suspensivo da pena aplicada em primeira instância. Ou seja: que Dudu ficasse livre da pena até o julgamento final.

O efeito suspensivo foi concedido, "mas só daqui a 15 dias". Em matéria narrando o evento, descreveu-se assim a situação:



A decisão, ainda assim, é inesperada, pois normalmente quando um atleta recebe o efeito suspensivo, sua liberação é imediata. Foi o que aconteceu no caso de Petros, por exemplo.

O meio-campista do Corinthians pegou 180 dias de pena também por se chocar com o árbitro Raphael Claus, e três dias depois o jogador recebeu o efeito suspensivo. Ele a partir de então estava livre para atuar.


O TJD-SP (pasmem!) inventou o efeito suspensivo do efeito suspensivo!!!

No período em que Dudu estará suspenso, perderá duas partidas. Contra o Goiás e contra o Sport Club Corinthians Paulista. Não havia precedentes para uma decisão como essa.

O leitor acha que é mania de perseguição? Procure no Google por "Mauro Marcelo de Lima e Silva" e "efeito suspensivo". Rapidamente, você descobrirá que o próprio relator já havia decidido de outra forma, concedendo imediatamente o efeito suspensivo em caso anterior e rigorosamente igual. Faz tempo? Não, o caso foi em abril de 2015! Veja você mesmo no site do TJD-SP  e em notícia de um jornal local.

Dois pesos e duas medidas afetam fundamentalmente a capacidade dos clubes de competir em pé de igualdade.

Gazeta Press
Gazeta Press
De que adianta remar contra a maré e conquistar recursos no mercado? Há interesse em fomentar a meritocracia na gestão do esporte?

Seria possível elencar vários outros motivos nessa lista. Sequer discutimos arbitragem (lembra do Placar Real?), benefícios e facilidades na aquisição de patrimônio (estádio, por exemplo) e a forma como a mídia lida diariamente com cada um dos clubes no seu noticiário (esse era o belíssimo trabalho do Observatório Verde, por exemplo). Nem estamos falando da forma como um clube consegue legitimamente receitas por naming rights, tentando remar contra a maré, mas tem seu estádio carinhosamente chamado de Arena Palmeiras. 

Mas o Brasileirão começou. Vamos torcer. Na fórmula de pontos corridos, são 38 finais. É a fórmula mais justa e meritocrática. São 11 contra 11 e a disputa é dentro de campo. Só que não.

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Benê Lima