Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sexta-feira, abril 27, 2012

O Barcelona e a nova ciência das redes

Chelsea é uma reminiscência do futebol do século passado. No entanto, como as regras do jogo continuam no passado, já se sabia, antes da partida, que tudo poderia acontecer
Augusto de Franco* / Universidade do Futebol

Aqui onde moro atualmente, nos Jardins, em São Paulo, ouvi na última terça-feira, ao final da partida Barcelona x Chelsea, gritos enfurecidos: "Chupa Barcelona Filho da Puta!". A partida empatou (2 x 2), mas o Barcelona foi eliminado da Champions League porque precisava vencer por dois gols et cetera.

Fiquei pensando se Albert Camus, prêmio nobel de literatura, não tinha razão quando dizia que de todas as suas experiências na vida, a que maior conhecimento lhe proporcionou sobre os homens foi o futebol. Aquele buzinaço que se seguiu à partida, comemorando o não-futebol do Chelsea, me disse muita coisa desagradável. 

Revelou, de certo modo, as entranhas da intolerância. Mais do que isso, entretanto, soou como um eco lúgubre e uma reprodução invertida dos lamentos dos seres humanos aprisionados nas redes centralizadas.

Quem viu o jogo pôde perceber que o Chelsea, a partir de certo momento (coincidente com o início da partida, hehe), praticamente não jogou bola. Matou o tempo. Matou o futebol. Mesmo assim, contou com o entusiasmo de fervorosos torcedores. Mais do que isso, contou com bad feelings de uma multidão que mais parecia estar se vingando da arte.

Arte? Como é possível? Para com isso! Está errado! O que queremos é a guerra. Não queremos um lírico Iniesta fazendo firulas no meio-campo. Queremos a força, a garra, o vale-tudo orientado pelo resultado do gigante Drogba. Fora Iniesta, seu anão imprestável! Drogba é o nosso herói!

Bem, devo dizer que meu interesse no assunto não é propriamente futebolístico e sim investigativo e decorre de minhas explorações na nova ciência das redes. Há bastante tempo venho observando como a topologia da rede “produz” o comportamento coletivo. 

É claro – não vou negar – que prefiro me deleitar assistindo ao novo futebol criativo do Barcelona do que o futebol de resultados dos times ingleses e italianos que envelheceram mal e que só sabem dar chutão pra frente para tentar surpreender uma defesa desarmada. Ainda não me deformei a ponto de gostar da realpolitik: para isso não preciso de futebol, basta acompanhar a guerra, a luta política pervertida como arte da guerra ou a concorrência simétrica adversarial praticada pelas empresas hierárquicas.

Mas isso agora não vem ao caso.

Diz-se que o Barcelona perdeu porque ficou vulnerável. Concordo. Acho que o futebol do Barcelona é extremamente vulnerável, mesmo, não a um ou outro adversário que tenha estudado suas fraquezas, e sim às regras do futebol, que não acompanharam a evolução do futebol.

O velho futebol do século 20 é – como observou argutamente George Orwell no artigo “The Sporting Spirit” (London: Tribune, December 1945) – uma espécie de “guerra sem mortes” (“It is war minus the shooting”, escreveu ele textualmente). Não é bem um jogo, uma atividade lúdica da qual se possa tirar fruição, admirada em si mesma ou por si mesma, uma coreografia estrutural coletiva onde as coordenações de coordenações comportamentais se encaixam sinergicamente (a essência da dança e daí a arte), mas um vale-tudo no qual se exaltam as capacidades dos indivíduos de obter por qualquer meio a vitória, seja dando uma joelhada desleal nas costas do jogador adversário, seja falsificando abertamente as regras (pois, afinal, “guerra é guerra” e na guerra, como se sabe, é necessário que a primeira vítima seja a verdade).

Parece óbvio que o futebol one-touch oriented do Barcelona exigiria novas regras no-touch oriented. Por exemplo, as regras atuais do futebol deixam um jogador tirar outro fisicamente da jogada com um encontrão (que se for feito com o ombro ou com o tronco, na maior parte dos casos não é falta, e sim “disputa normal” do jogo). Ora, nessas condições, quem se prepara melhor para o vale-tudo (quem se prepara para a guerra) tende a prevalecer.

Transformado em uma espécie de variação de baixa intensidade do futebol americano, o futebol vai assim se rendendo aos atributos físicos dos jogadores individualmente e à chamada tática traçada de antemão por algum chefe-técnico que monta seus ardis com base no comando-e-controle. Não é à toa o deslizamento de categorias próprias da guerra para o futebol: tática, estratégia, ofensiva, defensiva, espírito de corpo ou coesão e aplicação individual (quer dizer, subordinação a um esquema pré-determinado). 

Faz sentido e a utilização desses conceitos só corrobora a hipótese de George Orwell. Mas o problema é que tudo isso favorece o ânimo adversarial e diminui as nossas oportunidades de sentir aquele prazer tipicamente humano de contemplar as interações sociais (quer dizer... aquelas interações tipicamente humanas).

O Chelsea é uma remanescência do futebol do século passado. No entanto, como as regras do jogo continuam no passado, já se sabia, antes da partida, que tudo poderia acontecer. Quer dizer: que o não-futebol poderia vencer o futebol. Como venceu, pelas regras. Não apenas o Chelsea, mas qualquer outro time poderia (e poderá) vencer o Barcelona, sem violar as regras. Porque é fácil derrotar o Barcelona. Basta, para tanto, derrubar seus jogadores. Se o jogador não está em pé ele não pode jogar. Ponto.

No entanto, o futebol do Barcelona não foi derrotado pelo futebol de outros times. Nem poderá sê-lo. Mesmo que o Barcelona venha a perder todas as próximas partidas que disputar, parece óbvio que um número maior de caminhos (mais passes por unidade de tempo) significa a configuração de uma topologia de rede mais distribuída do que centralizada. E que quanto mais distribuída for a topologia da rede, mais conectividade e mais interatividade haverá. E que, assim, mais possibilidades surgirão de fazer a bola chegar ao gol adversário (a regra suprema do jogo). É matemático. O que não quer dizer que ocorrerá sempre.

Eis os diagramas ilustrativos (publicados originalmente por Paulo Ganns, na Escola-de-Redes) do jogo Barcelona x Santos em dezembro de 2011. Veja-se a diferença das topologias (caricaturadas na imagem para evidenciar a diferença).



E eis agora minhas variações do diagrama do Paulo Ganns, comparando a rede distribuída configurada pelos passes do Barcelona com a representação de um emaranhado quântico (acima) e a rede centralizada do Santos Futebol Clube com o organograma de uma organização centralizada (abaixo).



Pois bem. O mais importante, do ponto de vista das redes, vem agora.

O campo social gerado pela alta interatividade do Barcelona (um time highly connected) enseja a manifestação daqueles fenômenos acompanhantes da auto-organização e da inteligência coletiva: seus jogadores se aglomeram (clustering) e desaglomeram de acordo com o fluir da partida, jogam a maior parte do tempo sem a bola, mudando de lugar continuamente (o time é realmente mobile), praticam o imitamento ou cloning (clonagem variacional dos movimentos dos outros jogadores do mesmo time e, às vezes, do time adversário), eventualmente enxameiam (swarming) e diminuem o espaço-tempo para os fluxos do adversário; quer dizer, contraem o tamanho social do mundo composto pelos vinte e dois players (o Barcelona provoca o efeito Small-World). 

Basta observar: seus jogadores são pequenos, seus passes são pequenos, o Barcelona causa esse amassamento (crunching) e talvez esta seja sua principal virtude: o Barcelona é a prova viva de quesmall is powelful!

Por tudo isso, não tenho receio de afirmar que há mais inteligência coletiva embutida num jogo do Barcelona do que em todas as partidas travadas pelo Real Madrid, ainda que este último possa ter craques com mais assertividade e mais combatividade e sejam mais – como direi? – results-oriented do que os jogadores do Barcelona.

Bem... aqui começa minha investigação. 

O jogo aparentemente bobo do Barcelona, de ficar trocando passes redundantemente na intermediária, é em geral censurado pelos comentaristas futebolísticos (e por outros metidos a profundos conhecedores de futebol) como sintoma de falta de objetividade. Mas a contração de redundância (repetição de caminhos) com distribuição (multiplicação de caminhos) é o que compõe a resiliência, uma das características principais da sustentabilidade (ou do que chamamos de vida). 

O tempo de posse de bola é um indicador indireto dessa resiliência quando revela a frequência da mudança de trajetória da bola e a repetição de caminhos (não é raro ver um jogador do Barcelona trocar passes com outro jogador mantendo os dois praticamente as mesmas posições, ou num movimento solidário de dois corpos, como se fosse um haltere se deslocando ou Plutão e Caronte em translação).

Sim, o Barcelona imita a vida. Ao contrário do que se pensa, a vida nunca trabalha com economia de esforços, e sim com repetição intermitente (iteração) de ações similares. E a vida não economiza esforços simplesmente porque não precisa fazer isso, porque multiplicação de caminhos configura abundância, e não escassez.

O Barcelona clona o funcionamento do formigueiro. Como as formigas, seus jogadores não têm posição fixa, mas podem mudar de função várias vezes em uma mesma partida. Como nos mostrou a cientista Deborah Gordon (1999), em “Formigas em ação”, ao contrário do que se acreditava, as formigas mudam de função (dependendo das necessidades coletivas do formigueiro, uma forrageira pode virar “soldado”, por exemplo). 

Os jogadores do Barcelona também não têm dificuldade de mudar de posição (ou de função). Usando as antigas denominações (no caso, merecidas): o ponta-esquerda pode virar ponta-direita, o meio-campista pode virar beque ou centroavante, qual o problema?

O problema é que pensava-se em produtividade a partir da especialização, do desempenho ótimo de funções fixas: como na produção fordista, um indivíduo que repetiu milhares de vezes a mesma função tem mais chances de ser mais rápido e menos chances de errar no exercício daquela função determinada. Isso é válido, por certo, para a reprodução mecânica das mesmas ações. Aplicado ao futebol, porém, contribui para eliminar a criatividade, sobretudo a criatividade coletiva, quer dizer, o ambiente favorável à criação, à inovação. Instaura-se, assim, o futebol reprodutivo, a fábrica de jogar bola da sociedade industrial.

Nesse ambiente reprodutivo o que se destaca é o craque (o indivíduo), não o time (a rede social composta pelos jogadores interagindo segundo determinado padrão). Porque, em tais circunstâncias estruturais da rede centralizada (configurada pelo jogo retrógrado, quer dizer, pelos caminhos escassos que a bola percorre), só a genialidade individual pode romper o esquema, surpreender, sair fora da caixa. Tudo, então, passa a depender dos craques, dos indivíduos. É o futebol-burro com a sobressaliência dos pontos fora da curva, daqueles indivíduos inteligentes capazes, como se diz, de definir a partida com um lance magistral.

E é por isso que se atribui, não raro, o sucesso do Barcelona à genialidade do craque Messi. Sim, Messi é de fato um jogador excepcional, mas o futebol do Barcelona não depende de suas jogadas excepcionais. Com toda certeza as interações da dupla Xavi Hernánde-Andrés Iniesta e deles com o restante do time (com Lionel Messi, inclusive) são mais decisivas para o excelente comportamento coletivo (do time) do que os lances geniais individuais do fabuloso artilheiro argentino. 

Essas bobagens são ditas porque ainda é bastante generalizada a crença de que o comportamento coletivo pode ser explicado a partir dos atributos dos indivíduos, de que a inteligência coletiva é a soma das inteligências dos indivíduos, e não uma nova qualidade que emerge das relações entre eles.

Os gritos enraivecidos de terça, comemorando a eliminação do Barcelona (sim, porque o time não perdeu o jogo, foi desclassificado pela tabela), revelam que existe base social para legitimar mais um retrocesso no futebol. Dir-se-á que o “estilo-Barça” esgotou-se, que o “futebol-arte” não pode resistir ao “futebol-de-resultados”, que “Messi entrou numa fase ruim” e outras besteiras semelhantes. Já se dá até como certa a derrota do Barcelona para o Real Madrid no Campeonato Espanhol (e isso pode acontecer mesmo).

Assistiremos, provavelmente, a mais uma das tristes revoltas daqueles escravos que introjetaram a escravidão a tal ponto que, em vez de lutarem para se libertar dessa condição, não suportam ver que existem pessoas livres e querem torná-las também escravas como eles.

*Augusto de Franco é criador e primeiro netweaver da 
Escola-de-Redes

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domingo, abril 08, 2012

Uma reflexão sobre o jornalismo - por Gabriel Garcia Marquez


"Há uns cinqüenta anos não estavam na moda escolas de jornalismo. Aprendia-se nas redações, nas oficinas, no botequim do outro lado da rua, nas noitadas de sexta-feira. O jornal todo era uma fábrica que formava e informava sem equívocos e gerava opinião num ambiente de participação no qual a moral era conservada em seu lugar.

"Não haviam sido instituídas as reuniões de pauta, mas às cinco da tarde, sem convocação oficial, todo mundo fazia uma pausa para descansar das tensões do dia e confluía num lugar qualquer da redação para tomar café. Era uma tertúlia aberta em que se discutiam a quente os temas de cada seção e se davam os toques finais na edição do dia seguinte. Os que não aprendiam naquelas cátedras ambulantes e apaixonadas de vinte e quatro horas diárias, ou os que se aborreciam de tanto falar da mesma coisa, era porque queriam ou acreditavam ser jornalistas, mas na realidade não o eram."

"O jornal cabia então em três grandes seções: notícias, crônicas e reportagens, e notas editoriais. A seção mais delicada e de grande prestígio era a editorial. O cargo mais desvalido era o de repórter, que tinha ao mesmo tempo a conotação de aprendiz e de ajudante de pedreiro. O tempo e a profissão mesma demonstraram que o sistema nervoso do jornalismo circula na realidade em sentido contrário. Dou fé: aos 19 anos, sendo o pior dos estudantes de direito, comecei minha carreira como redator de notas editoriais e fui subindo pouco a pouco e com muito trabalho pelos degraus das diferentes seções, até o nível máximo de repórter raso.

A prática da profissão, ela própria, impunha a necessidade de se formar uma base cultural, e o ambiente de trabalho se encarregava de incentivar essa formação. A leitura era um vício profissional. Os autodidatas costumam ser ávidos e rápidos, e os daquele tempo o fomos de sobra para seguir abrindo caminho na vida para a melhor profissão do mundo - como nós a chamávamos. Alberto Lleras Camargo, que foi sempre jornalista e duas vezes presidente da Colômbia, não tinha sequer o curso secundário.

A criação posterior de escolas de jornalismo foi uma reação escolástica contra o fato consumado de que o ofício carecia de respaldo acadêmico. Agora as escolas existem não apenas para a imprensa escrita como para todos os meios inventados e por inventar. Mas em sua expansão varreram até o nome humilde que o ofício teve desde suas origens no século XV, e que agora não é mais jornalismo, mas Ciências da Comunicação ou Comunicação Social.

O resultado não é, em geral, alentador. Os jovens que saem desiludidos das escolas, com a vida pela frente, parecem desvinculados da realidade e de seus problemas vitais, e um afã de protagonismo prima sobre a vocação e as aptidões naturais. E em especial sobre as duas condições mais importantes: a criatividade e a prática.

Em sua maioria, os formados chegam com deficiências flagrantes, têm graves problemas de gramática e ortografia, e dificuldades para uma compreensão reflexiva dos textos. Alguns se gabam de poder ler de trás para frente um documento secreto no gabinete de um ministro, de gravar diálogos fortuitos sem prevenir o interlocutor, ou de usar como notícia uma conversa que de antemão se combinara confidencial.

O mais grave é que tais atentados contra a ética obedecem a uma noção intrépida da profissão, assumida conscientemente e orgulhosamente fundada na sacralização do furo a qualquer preço e acima de tudo. Seus autores não se comovem com a premissa de que a melhor notícia nem sempre é a que se dá primeiro, mas muitas vezes a que se dá melhor. Alguns, conscientes de suas deficiências, sentem-se fraudados pela faculdade onde estudaram e não lhes treme a voz quando culpam seus professores por não lhes terem inculcado as virtudes que agora lhes são requeridas, especialmente a curiosidade pela vida.

É certo que tais críticas valem para a educação geral, pervertida pela massificação de escolas que seguem a linha viciada do informativo ao invés do formativo. Mas no caso específico do jornalismo parece que, além disso, a profissão não conseguiu evoluir com a mesma velocidade que seus instrumentos e os jornalistas se extraviaram no labirinto de uma tecnologia disparada sem controle em direção ao futuro.

Quer dizer: as empresas empenharam-se a fundo na concorrência feroz da modernização material e deixaram para depois a formação de sua infantaria e os mecanismos de participação que no passado fortaleciam o espírito profissional. As redações são laboratórios assépticos para navegantes solitários, onde parece mais fácil comunicar-se com os fenômenos siderais do que com o coração dos leitores. A desumanização é galopante.

Não é fácil aceitar que o esplendor tecnológico e a vertigem das comunicações, que tanto desejávamos em nossos tempos, tenham servido para antecipar e agravar a agonia cotidiana do horário de fechamento.

Os principiantes queixam-se de que os editores lhes concedem três horas para uma tarefa que na hora da verdade é impossível em menos de seis, que lhes encomendam material para duas colunas e na hora da verdade lhes concedem apenas meia coluna, e no pânico do fechamento ninguém tem tempo nem ânimo para lhes explicar por que, e menos ainda para lhes dizer uma palavra de consolo.

"Nem sequer nos repreendem", diz um repórter novato ansioso por ter comunicação direta com seus chefes. Nada: o editor, que antes era um paizão sábio e compassivo, mal tem forças e tempo para sobreviver ele mesmo ao cativeiro da tecnologia.

A pressa e a restrição de espaço, creio, minimizaram a reportagem, que sempre tivemos na conta de gênero mais brilhante, mas que é também o que requer mais tempo, mais investigação, mais reflexão e um domínio certeiro da arte de escrever. É, na realidade, a reconstituição minuciosa e verídica do fato. Quer dizer: a notícia completa, tal como sucedeu na realidade, para que o leitor a conheça como se tivesse estado no local dos acontecimentos."

"O gravador é culpado pela glorificação viciosa da entrevista. O rádio e a televisão, por sua própria natureza, converteram-na em gênero supremo, mas também a imprensa escrita parece compartilhar a idéia equivocada de que a voz da verdade não é tanto a do jornalista que viu como a do entrevistado que declarou. Para muitos redatores de jornais, a transcrição é a prova de fogo: confundem o som das palavras, tropeçam na semântica, naufragam na ortografia e morrem de enfarte com a sintaxe.

Talvez a solução seja voltar ao velho bloco de anotações, para que o jornalista vá editando com sua inteligência à medida que escuta, e restitua o gravador a sua categoria verdadeira, que é a de testemunho inquestionável. De todo modo, é um consolo supor que muitas das transgressões da ética, e outras tantas que aviltam e envergonham o jornalismo de hoje, nem sempre se devem à imoralidade, mas igualmente à falta de domínio do ofício.

Talvez a desgraça das faculdades de Comunicação Social seja ensinar muitas coisas úteis para a profissão, porém muito pouco da profissão propriamente dita. Claro que devem persistir em seus programas humanísticos, embora menos ambiciosos e peremptórios, para ajudar a constituir a base cultural que os alunos não trazem do curso secundário.

Entretanto, toda a formação deve se sustentar em três vigas mestras: a prioridade das aptidões e das vocações, a certeza de que a investigação não é uma especialidade dentro da profissão, mas que todo jornalismo deve ser investigativo por definição, e a consciência de que a ética não é uma condição ocasional, e sim que deve acompanhar sempre o jornalismo, como o zumbido acompanha o besouro.

O objetivo final deveria ser o retorno ao sistema primário de ensino em oficinas práticas formadas por pequenos grupos, com um aproveitamento crítico das experiências históricas, e em seu marco original de serviço público. Quer dizer: resgatar para a aprendizagem o espírito de tertúlia das cinco da tarde.

Um grupo de jornalistas independentes estamos tratando de fazê-lo, em Cartagena de Indias, para toda a América Latina, com um sistema de oficinas experimentais e itinerantes que leva o nome nada modesto de Fundação do Novo Jornalismo Ibero-Americano. É uma experiência piloto com jornalistas novos para trabalhar em alguma especialidade - reportagem, edição, entrevistas de rádio e televisão e tantas outras - sob a direção de um veterano da profissão."

"A mídia faria bem em apoiar essa operação de resgate. Seja em suas redações, seja com cenários construídos intencionalmente, como os simuladores aéreos que reproduzem todos os incidentes de vôo, para que os estudantes aprendam a lidar com desastres antes que os encontrem de verdade atravessados em seu caminho. Porque o jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir e humanizar mediante a confrontação descarnada com a realidade.

Quem não sofreu essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte."

(Publicado no Observatório da Imprensa. Agradecemos a Luís Antônio Nikão Duarte, da Agência Jornal do Brasil, o envio do texto original do discurso de García Márquez.)
 
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sábado, abril 07, 2012

João Bosco Pesquero, coordenador do "Atletas do Futuro"

Biologista molecular revela desejo de consolidar conhecimentos de genômica e proteômica no esporte
Bruno Camarão / Universidade do Futebol

Desde que dava os primeiros passos em sua infância, João Bosco Pesquero nunca se contentou com explicações superficiais. O tempo passou, e durante a faculdade costumava falar com os amigos que tinha o desejo de descobrir os segredos do universo. Pouco depois, o olhar deste cientista inato se voltou aos mistérios da vida. Por isso ele acabou migrando para a área biológica.

“Sempre achei que a Medicina era uma coisa muito atrasada, e eu entendia que deveria haver uma integração maior entre a área básica, que produz o conhecimento, e a área clínica, mais aplicada. Via uma lacuna muito grande entre esses dois pontos, e aqui, no nosso departamento, tentamos criar uma ponte entre eles”, explica Pesquero, nesta entrevista concedida à Universidade do Futebol.

Químico de graduação na USP e com pós-graduação em Ciências Biológicas e Medicina Molecular pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Instituto Max-Delbrück para Medicina Molecular na Alemanha, Pesquero foi chefe do Departamento de Biofísica e diretor do Centro de Desenvolvimento de Modelos Experimentais para Medicina e Biologia (Cedeme) da Unifesp. E atualmente também coordena o projeto “Atletas do Futuro”.

Trata-se de um grupo de pesquisadores de diferentes ambientes acadêmicos brasileiros ligados à área de genômica, proteômica, bioinformática e fisiologia do exercício. O alvo comum: consolidar no Brasil estes conhecimentos com aplicação ao ambiente esportivo.

“Hoje, a genética está envolvida em todas as áreas do ser humano, e ainda temos uma noção pequena disso. É o futuro. A influência será geral”, avalia Pesquero. “O jovem pode não ser um atleta de elite, mas deve ter a opção de um treinamento adaptado para que se beneficie e não tenha prejuízos na vida”.

O projeto pretende usar todas as informações retiradas da parte genômica e associar com as mais diversas modalidades. Quanto maior o banco de dados, melhor a ferramenta a ser desenvolvida.

“As pessoas devem perder o medo e participar disso [do projeto]. Quero que meu filho tenha sucesso e que ele se desenvolva bem dentro do esporte, com base e orientação, independentemente de ser um atleta de excelência”, acrescenta Pesquero, que está à frente do pioneiríssimo 1o Simpósio Brasileiro de Genômica e Esporte, a ser realizado no fim de junho.

Além do anseio de criar uma condição para manter crianças no esporte e atrair mais jovens a ele e, por consequência, melhorar a saúde da população e desenvolver atletas de elite, o “Atletas do Futuro” também agregou o futebol. E o Palmeiras foi o primeiro clube a aceitar participar dos testes cedendo os jogadores do departamento profissional.

“No clube, a ideia é trabalhar mais intensamente na área de lesões. Eles têm alguns atletas com problemas constantes, e estamos analisando alguns marcadores que predispõem lesões para ver se conseguimos usá-los na melhora do próprio treinamento, prevenção e reabilitação”, finaliza Pesquero.


Genômica e Esporte: a importância do tema no cenário científico e tecnológico do país

 

Universidade do Futebol – Em que patamar se encontra a aplicação da Biologia Molecular no futebol?

João Bosco Pesquero – Diagnóstico molecular é algo muito incipiente no Brasil, inclusive na área médica. Existem muitos estudos na área de genética que temos de mandar para fora. No nosso laboratório, fazemos [análise de] 10 a 15 doenças diferentes. Não é nada. São milhares de doenças determinadas geneticamente, e não temos diagnóstico genético para isso.

Demora meses para termos um retorno. E se é um caso crítico, como câncer de mama, em que a mulher necessita saber da resposta urgentemente, ela corre o risco de morrer.

Existe um medo da universidade em interagir com essa parte comercial. Passar esse desenvolvimento para os laboratórios é necessário. Temos conhecimento, está dentro da universidade. Os pesquisadores geralmente estão muito envolvidos com seus projetos e se esquecem de que temos problemas práticos.

Baseado nisso, começamos a fazer o que chamamos de genotipagem. Iniciamos com uma doença, a demanda começou a crescer, viramos referência e hoje fazemos mais de 15 doenças. A amostra do paciente é olhada na parte genética e verificamos se há alguma mutação que possa significar problema médico. Ou o SUS não paga se não houver a comprovação molecular.

Você tem de achar a parte molecular que explique aquela correlação molecular com a doença. O gene é algo complicado. Nos apegamos a uma “parte”. E muitas vezes olhamos para a “parte” errada. É necessário olhar o RNA, os “pedaços grandes” que foram apagados. E com os exames básicos que fazíamos, não conseguíamos detectar.

Podemos nos deparar com marcadores que achamos que podem estar ligados a determinada lesão, mas não podemos afirmar. Você tem de ter um estudo com muitos atletas para se ter noção e confiança do que se fala. E quando houver determinada alteração característica, conseguimos determinar alguns perfis e protocolos.


Grandes ídolos do esporte participam do projeto "Atletas do Futuro", como os judocas João Derly eMárcia Martins da Costa, e o tenista Gustavo Kuerten (centro)

 

Universidade do Futebol – Do que se trata o projeto “Atletas do Futuro”?

João Bosco Pesquero – O projeto surgiu com a parte médica, que está muito ligada ao esporte. Ao criar este banco de dados de conhecimento da parte genômica, muitas vezes verificamos não apenas uma vantagem esportiva, mas também uma desvantagem.

Há um caso chamado Síndrome de Marfan. As pessoas que sofrem dela são mais altas, com seus membros alongados. E faz parte desta síndrome um acometimento cardíaco.

Ao olhar para a altura daquela pessoa e ao colocá-la para jogar determinada modalidade, pode haver o risco de ela ter uma parada cardíaca em quadra. É um exemplo.

Não se pode colocar qualquer pessoa para fazer qualquer esporte. É importante cada um saber dos riscos. Em muitos casos, marcadores dão uma predisposição a você ter um problema cardíaco. E a pergunta é: por conta desta probabilidade eu vou deixar de fazer este esporte? É importante saber. É uma faca de dois gumes, pois pode te impedir de determinada atividade física. Ter conhecimento para se prevenir é o ponto primordial.

Costumo citar um exemplo de Hepatite C. As pessoas querem saber se têm Hepatite C ou não? Hoje em dia é quase obrigatório fazer este teste. Trata-se de uma doença silenciosa. Se você demorar a descobrir, seu fígado pode estar tão comprometido que você tem de ir a um transplante e pode morrer. E muita gente está morrendo disso, pois o exame preventivo não é feito e nenhum tipo de cuidado com a alimentação é tomado.

Para muitas doenças que não têm cura será que eu quero saber? Eu quero para poder prevenir e tomar algumas medidas para minimizar os efeitos ou retardar o aparecimento da doença. Quero saber também pensando no futuro: e meus filhos? Vou querer passar esse legado para eles? São algumas questões éticas que temos de discutir e devem ser levadas à tona.

Esse também é um dos motes do nosso simpósio relacionando a genética e o esporte. A ideia não é excluir, mas incluir. Estimular o debate nesta área crescente.

Criar não apenas uma predisposição a coisas boas, mas também olhar marcadores para prevenção. Isso é muito importante. O jovem pode não ser um atleta de elite, mas deve ter a opção de um treinamento adaptado para que se beneficie e não tenha prejuízos na vida.


"Não se pode colocar qualquer pessoa para fazer qualquer esporte. É importante cada um saber dos riscos", avalia Pesquero

 

Universidade do Futebol – Quais são as peculiaridades desta proposta?

João Bosco Pesquero – O início do projeto foi mais ou menos baseado na história da nossa experiência com a parte de diagnóstico molecular para a área médica. Hoje, a genética está envolvida em todas as áreas do ser humano, e ainda temos uma noção pequena disso. É o futuro. A influência será geral.

O que vou comer? Minha carga genética indica que eu digiro melhor determinado tipo de alimento – é o que chamamos de nutrigenômica. O que eu vou passar de cosmético, uma substância que interage com alguns genes e aumenta a produção de elastina e colágeno? Isso acontece e pode ser que eu tenha marcadores que me predispõem a responder melhor a uma destas substâncias – daí pensar em um cosmético personalizado, para que eu tenha menos problemas de envelhecimento, etc. Isso é genética e está presente no cotidiano. A farmácia genômica é outro ponto interessante. Será a genômica personalizada. E rumamos também para o esporte.

Acreditamos nisso, a ideia nasceu, e tentamos criar algo dentro do esporte de modo integrado com a medicina esportiva para tentarmos promover uma evolução dentro da área, aproveitando obviamente a época propícia que nosso país vive.

Queremos usar todas as informações que pudermos tirar da parte genômica e associar com as mais diversas modalidades. Quanto maior nosso banco de dados, melhor a ferramenta a ser desenvolvida.

As pessoas devem perder o medo e participar disso [do projeto]. Quero que meu filho tenha sucesso e que ele se desenvolva bem dentro do esporte, com base e orientação, independentemente de ser um atleta de excelência.

O alvo é criar uma condição para manter crianças no esporte e atrair mais crianças a ele. Por consequência, vamos melhorar a saúde da população e desenvolver atletas de elite.

Universidade do Futebol – Como se deu o contato com o Palmeiras e o ingresso no clube para o desenvolvimento deste projeto?

João Bosco Pesquero – Temos vários colaboradores na Unifesp e a ideia é agregar. Ninguém faz nada sozinho, temos plena noção disso, e chamamos várias pessoas de modalidades esportivas diferentes para participarem do plano, começando pelo judô.

Os professores Fúlvio Alexandre Scorza e Ricardo Mario Arida tinham feito um trabalho específico com o Douglas, medalhista de prata em Los Angeles. Expliquei a ideia, e ele abriu as portas com outros judocas. Ele, Aurélio Miguel, Edinanci, etc., participaram.

O Paulo Correia, que trabalha na fisiologia e é ex-atleta, também aprovou a sugestão e tinha uma proximidade com o Paulo Zogaib, fisiologista do Palmeiras. A partir daí as portas foram abertas.

No clube, a ideia é trabalhar mais intensamente na área de lesões. Eles têm alguns atletas com problemas constantes, e estamos analisando alguns marcadores que predispõem lesões para ver se conseguimos usá-los na melhora do próprio treinamento, prevenção e reabilitação.

Você pode coletar as informações a partir do sangue, da urina, do cabelo, da pele, e da saliva – na realidade, as células da mucosa, com um cotonete, as quais contêm material genômico do atleta para análise. É um procedimento simples, nada invasivo, e muito fácil de ter a cooperação dos pacientes.

Para fazer o que pensamos, uma análise metabolômica, pós-genômica, como costumamos falar (análise de proteínas, carboidratos, lipídios), a fim de determinar um perfil do atleta de elite, vamos precisar de outros referenciais. Buscamos padronizar isso para desenvolver um tipo de teste, ampliar o estudo e ter uma ferramenta muito confiável.



No alto, Edinanci Silva; no centro, Aurélio Miguel; abaixo, Ricardo Arida, Joao Bosco Pesquero, o medalhista olímpico de Los Angeles Douglas Vieira e Fulvio Scorza

 

Universidade do Futebol – Qual é o diferencial deste trabalho de recolhimento genético e de cruzamento de dados com o que é realizado em outros clubes de grande expressão no mundo, como o Real Madrid?

João Bosco Pesquero – A diferença é que nosso projeto é muito mais amplo e queremos criar uma ferramenta muito mais confiável. E para isso é necessário um “N” muito grande de atletas e das mais variadas modalidades. Porque queremos associar marcadores genéticos com performance esportiva em diversos esportes.

Além disso, o objetivo é poder orientar crianças no esporte em geral. E para isso precisamos pegar atletas de elite de todas as modalidades que existem.

No caso do Palmeiras, temos o olhar para o futebol profissional. E seria muito interessante contar com a participação de outros clubes para aumentar este lastro de informações.

O Palmeiras está sendo pioneiro com a abertura desta possibilidade de criar uma ferramenta que mais tarde irá servir para todos os rivais do Brasil.



 

Universidade do Futebol – Por que os clubes só estão dando os primeiros passos agora nesta interação com estudos ligados à biologia molecular?

João Bosco Pesquero – Eu acredito que haja muita falta de informação. Esta área de genômica esportiva no Brasil é muito pouco desenvolvida. Daí nasceu a idéia de criar o simpósio para trazer os grandes nomes do mundo e discutir com nossos pesquisadores.

É algo muito precoce em nosso país, e nossos especialistas que trabalham com esporte têm muito pouco conhecimento e noção da parte genética e genômica e suas implicações. Por conta disso, estamos tão atrasados com esse tipo de estudo.

Demos o primeiro passo e pretendemos levantar a discussão, em uma época em que estamos no centro das discussões sobre o esporte. Está mais do que na hora, se quisermos melhorar as capacidades esportivas de nossos atletas. É importante debater.

Universidade do Futebol – A relação custo e benefício de um projeto envolvendo a genômica é um impeditivo para que os clubes e federações passem a investir nisso, ou você diria que é mesmo a falta de informação certificada?

João Bosco Pesquero – Eu acredito que realmente falta aos dirigentes ter a devida noção de que há um benefício a partir destas informações genéticas no ambiente esportivo. Isso não é algo claro, mesmo em termos globais.

As discussões sobre uso de determinado marcadores estão ocorrendo, mas aos poucos isso está começando a se concretizar, bem como a correlação da genômica com o desempenho esportivo.

Vamos deixar o mundo se caracterizar para depois entrar no debate e criar um banco de dados nosso? Vamos olhar para os marcadores e compará-los com os da Europa, da China, da África?

Ao desenvolver um projeto como este, passamos a ter um olhar próprio, brasileiro, da nossa população, e vamos comparar as diferenças entre o nosso povo.

A base de dados com quem você compara a sua população normal deve ser a própria. E não a da Índia. Aí, sim, poderemos afirmar que se a criança tiver determinada característica, ela vai te dar alguma diferença para determinado esporte.


Referências no Atletismo, André Domingos, Marilson dos Santos e Joaquim Cruz também participam do projeto

 

Universidade do Futebol – É possível chegar em um equilíbrio da predisposição genética de uma criança para determinado esporte relacionando-se a aspectos mais globais (culturais, maturacionais, psicológicos, sociais, comportamentais, psíquicos, etc.)?

João Bosco Pesquero – Acho que no futuro vamos conseguir utilizar isso como mais um parâmetro. Mas genética não é tudo. O atleta pode ter toda a parte genômica privilegiada para desempenhar um tipo de esporte, mas o psicológico, o cognitivo deste cidadão não ajuda.

Não adianta colocar uma criança, por exemplo, em um ambiente no qual ela não se sinta bem. Apesar de uma estrutura físico-muscular consolidada. E ela não se beneficiará disso.

A alimentação, as relações humanas, o conjunto, etc. é o que irá moldar o atleta. São vários os fatores que interferem no desenvolvimento para se tornar um atleta de elite que vão determinar o sucesso ou não.

E às vezes, mesmo a pessoa não tendo uma estrutura determinada pela genética, ela possui valências psicológicas, uma força de vontade gigantesca, que fará com que ela compense as deficiências e se torne um grande judoca, por exemplo.

O que falamos é pegar pessoas que têm estrutura ótima e colocá-las para fazer o esporte “certo”. Em um ambiente interessante. Trata-se de um ajuste de caminho.

Você pode fazer com muito esforço um pangaré vencer uma corrida. Mas ele nunca se tornará um cavalo de corrida. Mas se pegar um cavalo de corrida, com predisposição genética, e treiná-lo bem, certamente ele pode se tornar um vencedor. Com menos exigência do que seria com o primeiro.

Universidade do Futebol – Guardadas as devidas proporções, e levando o contexto para o futebol, podemos exemplificar com o Messi: “baixinho”, com dificuldade de chute e passe com seu pé não dominante, mas que apresenta características incríveis?

João Bosco Pesquero – Ele é o maior do mundo. Esse tipo de jogador é raro. Se você pegar atletas excepcionais das mais diversas modalidades, eles são raros. A ferramenta tem a intenção de fazer aparecer mais atletas de excelência.

Pegá-los como parâmetro, os top, é o ideal. Eles percorreram todo um caminho e chegaram ao ápice em suas profissões. Muitos casos vão destoar dos outros. Porque muitos vão “negar” as predisposições genéticas e revelarão que conquistaram seus resultados positivos muito por conta de outros fatores.

Queremos pegar coisas comuns na maior parte dos atletas. Por isso queremos cada vez mais contar com mais atletas e nos tornarmos um facilitador na escolha da modalidade esportiva.



 

Universidade do Futebol – O trabalho desenvolvido no Palmeiras irá considerar aspectos pedagógicos, técnicos, táticos, motivacionais, nutricionais, além de vários outros fatores que interferem no máximo desempenho de um jogador de futebol?

João Bosco Pesquero – O futuro irá dizer. Dependendo da confiança das informações a partir dos estudos iniciais, a ideia é que se parta para um treinamento personalizado, para uma nutrição personalizada. Você olhar para o atleta como um indivíduo e adaptar todas as componentes do jogo àquelas características particulares. É como eu vejo o futuro.

Quanto tempo isso irá levar? Depende de quanto esforço vai ser colocado neste tipo de estudo para que tiremos conclusões aplicáveis.

 

Pioneiro, Palmeiras abriu as portas para os estudos e montagem de um banco genômico/metabolômico; rivais poderão se beneficiar  
 

 

Universidade do Futebol – Como você enxerga a inserção do bioquímico e do biotecnólogo no ambiente de um departamento de futebol profissional, em se considerando a necessidade de um trabalho interdisciplinar?

João Bosco Pesquero – Seria extremamente importante ter dentro de um clube uma pessoa com esse tipo de visão, para nortear os treinamentos e os conhecimentos daqui para frente. Esse tipo de informação deve ser levada aos clubes.

Universidade do Futebol – As universidades já conseguiriam ofertar esse tipo de profissional mediante a demanda do mercado esportivo?

João Bosco Pesquero – Acredito que sim. O conhecimento acerca da área é pequeno, mas as pessoas provenientes da academia têm capacidade de entender rapidamente o contexto e promover um maior desenvolvimento da área.

É importante os clubes se abrirem e manterem esse tipo de visão e interação. O desenvolvimento do esporte passa por isso.

O papel da genética no processo de seleção, formação e detecção de talentos no futebol

Universidade do Futebol – Em uma entrevista, você comentou sobre sua formação em Química, com especialização em Ciências Biológicas e Biologia Molecular, e revelou que partiu para esta área para “descobrir os segredos do universo”. É isso mesmo?

João Bosco Pesquero – É mais ou menos isso (risos). Desde pequeno, nunca me contentei com explicações superficiais. E na época da faculdade costumava falar com meus amigos que tinha o desejo de descobrir os segredos do universo. E depois passei a querer descobrir mais os mistérios da vida. Por isso fui para a área biológica.

Sempre achei que a Medicina era uma coisa muito atrasada, e eu entendia que deveria haver uma integração maior entre a área básica, que produz o conhecimento, e a área clínica, mais aplicada. Via uma lacuna muito grande entre esses dois pontos, e aqui, no nosso departamento, tentamos criar uma ponte entre eles.

Somos especialistas em Biologia Molecular e desenvolvemos conhecimento para que a área médica clínica se beneficie dele. A ideia da minha carreira era essa.

Uma coisa que me preocupa muito é desenvolver a área médica. Somos muito atrasados e dependentes da tecnologia estrangeira. E poderíamos fazê-lo aqui. Estamos em uma zona de conforto. Temos capacidade. E tenho comentado muito a respeito de empreendedorismo aos meus alunos. Falar na universidade destas questões comerciais era algo que sempre causava muito medo.

Hoje tenho uma visão de que esta parceria é muito importante. Para o país é importante ver a universidade fazendo o desenvolvimento e passando à empresa, que irá comercializá-lo e disponibilizá-lo à população. Consequentemente, todos iremos nos beneficiar.

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sexta-feira, abril 06, 2012

Os direitos e o respeito ao torcedor como investimento com retorno esportivo e financeiro

Gustavo Lopes / Universidade do Futebol

 

 

 

 

No último domingo fiz uma participação no Esporte Espetacular, da Rede Globo, em uma reportagemsobre a violência nos estádios de futebol e um dos convidados destacou o quanto os clubes perdem com o desrespeito aos direitos dos torcedores.

O fato é que o futebol movimenta, anualmente, bilhões de dólares. Além disso, milhões de empregos são criados direta e indiretamente e a paixão pelo esporte transforma cada um dos habitantes do planeta Terra em torcedor e, por consequência, em um consumidor em potencial.

Como todo consumidor, o torcedor é um sujeito de direitos e deve tê-los respeitados, sobretudo levando-se em consideração o fato de que o futebol deve sua magnitude global justamente à imensa paixão despertada nas multidões.

Por esta razão, cada vez mais, surge a necessidade de legislações específicas a estes consumidores do esporte, bem como a adequação dos clubes aos anseios de seu torcedor.

O respeito aos torcedores traz resultado financeiro e esportivo ao clube, como se observa de iniciativas vencedoras de representantes europeus como o Barcelona e, notadamente os ingleses da “Premier League” e de clubes sul-americanos, especialmente o Internacional, de Porto Alegre. Todos conhecidos mundialmente pelas conquistas.

O torcedor, consumidor, cada vez mais exigente, irracional e apaixonado por natureza, capaz de, por essa paixão, distorcer a realidade em benefício de seu clube de coração, deve ser tratado como protagosnista.

Dentre os inúmeros direitos atinentes aos cuidados para com o torcedor extraem-se alguns imprescindíveis para garantir o interesse pelo esporte.

Inicialmente, as competições devem possuir regulamentos transparentes respaldados em critérios técnicos, bem como a arbitragem deve ser justa e independente.

A venda de ingressos deve ser realizada de forma organizada, com plenas informações, de forma a garantir celeridade, eficiência e segurança. Além disso, os ingressos devem ser vendidos em diversos locais e, por meio eletrônico, especialmente, pela Rede Mundial de Computadores.

Os estádios devem ser acessíveis por meio de transportes urbanos de qualidade, tais como metrô, trem urbano e ônibus.

Os estádios devem possuir infraestrutura com estacionamento, restaurantes, banheiros e o acesso às suas dependências deve ser amplo, permitindo que a entrada ocorra sem tumulto, além de se assegurar o acesso de deficientes físicos.

O torcedor tem o direito de receber as informações do evento ao adentrar ao estádio, por meio de recepcionistas, ou de centrais de atendimento ao torcedor (ouvidorias), bem como de acomodar-se em assento confortável e de mesmo número de seu bilhete.

Por fim, a segurança do torcedor deve ser garantida não somente no interior dos estádios durante os eventos esportivos, mas em todo o entorno do estádio antes e logo após a partida.

Policiamento ostensivo, punições rigorosas aos torcedores violentos, monitoramento por meio de câmeras e limitação de acesso a quem não possua ingresso são formas de atingir-se a segurança.

Medidas como as expostas, além de trazer ao consumidor do evento esportivo uma série de benefícios, trarão aos clubes e ao evento maior atratividade e fidelidade.

Torcedores bem tratados e satisfeitos são sinônimo de estádios e cofres cheios, pois, neste contexto, independente dos resultados esportivos, a venda de ingressos, de jogos pelo sistema “pay-per-view” e de produtos licenciados atingiriam patamares elevados.

O resultado de medidas assecuratórias dos direitos do torcedor pode ser constado pelas arrecadações[1] da “Premier League” inglesa, terceira liga que mais rentável do mundo[2], que recentemente superou a NBA e está atrás, apenas, das norte-americanas MLB (beisebol) e da NFL (futebol americano), respectivamente.

Os jogos da Liga Inglesa têm estádios cheios, independente da colocação do clube na tabela, com ocupação de 91%[3], sendo que o Manchester United possui média de público de 70 mil torcedores.

A fidelidade do torcedor inglês coloca nove clubes daquele país na lista do vinte e cinco mais ricos do mundo[4], dois na lista dos dez mais valiosos em todas as modalidades[5] e três entre os seis com patrocínios mais valiosos na camisa[6].

Ademais, o respeito aos torcedores conduz ao resultado esportivo, como se apreende do Barcelona e, na América do Sul, do Inter, primeiro clube brasileiro com ISO 9001.

O Barcelona é o atual campeão espanhol, da Copa da Espanha (Copa do Rei), da Supercopa da Espanha, da Uefa Champions League e do Mundial de Clubes da Fifa, e o Internacional, desde que iniciou o processo de estruturação para o seu torcedor, em meados da década passada, conquistou a Libertadores da América e o Mundial em 2006 e a Copa Sulamericana em 2007[7] tendo sido, em 2009, vice-campeão brasileiro e da Copa do Brasil.

Assim, mais do que atender aos direitos da imensa comunidade de torcedores, a atenção aos seus anseios corresponde a um investimento com retorno financeiro, de visibilidade e em títulos.

[1] http://www.terra.com.br/esportes/futebol/financeiro/index.htm

[2] http://www.futebolfinance.com/premier-league-3%c2%ba-maior-facturacao-entre-as-ligas-profissionais

[3] http://www.futebolfinance.com/o-numero-de-espectadores-nos-estadios-%e2%80%93-dezembro-2009

[4] http://www.futebolfinance.com/forbes-most-valuable-soccer-teams-2009

[5] http://www.futebolfinance.com/os-10-clubes-mais-valiosos-de-todos-os-desportos

[6] http://www.futebolfinance.com/ranking-de-patrocinios-nas-camisolas-200910

[7] Equivalente à Liga UEFA

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